domingo, 11 de agosto de 2013 | By: Vânia Santana

Processos contra Siemens revelam hábito de corromper

Ações citam pagamento de propinas pela empresa em 190 países

Reinhard Siekaczek (à direita) e seu advogado no tribunal de Munique Reuters/26-5-2008 / Michaela Rehle/ 

BERLIM — Os textos da acusação contra a Siemens do Ministério Público de Munique e do Ministério da Justiça dos Estados Unidos não mencionam o caso do pagamento de propinas em São Paulo, mas revelam como a corrupção fazia parte do modelo de negócios da gigantesca empresa alemã, que chegou a um acordo nos dois países. Isso tornou possível o arquivamento dos processos, em 2008, mediante o pagamento de multas no valor total de mais de um bilhão de euros.

O documento das investigações americanas, tanto do Ministério da Justiça quanto da SEC, entidade responsável pelo controle da Bolsa de Valores, cita a prática generalizada do pagamento de propinas nos 190 países onde a Siemens atua.

O texto americano menciona um integrante da diretoria responsável pela América do Sul, encarregado das “caixas pretas”, que teria pago em propinas, só em 2004, US$ 1,9 milhão. O método era refinado.
— Até 1999, a Justiça alemã não proibia o pagamento de propinas no exterior — revela a SEC no texto de acusação.

A Siemens tinha contas na Suíça, na Áustria e em Liechtenstein, ilegais e não registradas na contabilidade: eram suas famosas “caixas pretas”, para financiar as chamadas “despesas úteis” que surgiam porque, como alegou a própria empresa à promotoria de Munique, pagar propinas fazia parte do estilo de negócios em muitas regiões do mundo.

Segundo a acusação do Ministério da Justiça dos Estados Unidos, com a ajuda das propinas, pagas a funcionários públicos e representantes de governos de Argentina, Venezuela, México, Israel, Iraque, Nigéria, Grécia, Itália, Rússia e “em outros países”, a Siemens conseguiu vencer as concorrências em 290 projetos, de 2001 a 2007. Para isso, fez aos seus “ajudantes” 4.283 pagamentos no valor de US$ 1,4 bilhão.

A acusação americana foi contra a Siemens AG de Munique, bem como contra as subsidiárias da Argentina, da Venezuela e de Bangladesh.
Thomas Steinkraus-Koch, porta voz do Ministério Público de Munique, disse que os casos de corrupção ocorridos fora da Alemanha foram julgados nos Estados Unidos ou nos países onde foram realizadas as obras pela Siemens com a ajuda de suborno.
Segundo o documento de Munique, o problema das “caixas pretas” já era gravíssimo em 1999. Na reunião da diretoria em 2000, foi criado o sistema de Business Consulting Agreements, uma possibilidade de justificar o pagamento das propinas. Tudo que era pago como esse fim podia ser registrado como pagamento por serviço de consultoria.

No final, a Siemens evitou problemas maiores com o fechamento de um acordo, que foi comemorado em 2008 com uma entrevista coletiva, na qual a empresa exibiu o seu novo departamento de anticorrupção.
Um porta voz da Siemens negou anteontem, em Munique, ter conhecimento do pagamento de oito milhões de euros em propinas a dois funcionários públicos brasileiros para ganhar a concorrência para projetos ferroviários em São Paulo.

Caso arquivado, fim da investigação

Christian Humborg, da ONG Transparency International, seção alemã, admitiu que, como o caso terminou em um acordo de arquivamento do processo nos dois países, em troca do pagamento de multas no valor de mais de um bilhão de euros, a investigação não foi levada até o final.
— O problema de acordos é que eles impedem o esclarecimento de casos de corrupção, como foi o caso da Siemens — disse Humborg.
A procuradora alemã que investigou o caso, Hildegard Bäumler-Hösl, disse que não queria entrar em detalhes sobre o caso porque há dois anos não trabalha mais como promotora da Procuradoria Munique 1, encarregada do julgamento dos casos políticos, como foi enquadrado o da Siemens. Segundo o próprio porta voz, esse foi o “maior escândalo da economia alemã depois da Segunda Guerra Mundial”. Hildegard é hoje juíza.
O escritório de advogacia Beckstein, de Nuremberg — que teria recebido em 2008 a denúncia de um brasileiro sobre as irregularidades praticadas pela Siemens no Brasil — não trabalha mais para a empresa. Esse caso levou a Siemens a admitir a formação de cartéis. O sucessor desse escritório, o advogado André Vorholt, de Munique, recusou-se a fazer qualquer comentário sobre o caso no Brasil.

O Globo

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