quarta-feira, 29 de janeiro de 2014 | By: Vânia Santana

Dilma em Cuba


Foto: Adalberto Roque/ AFP

Sem entrar no mérito das negociações diplomáticas e comerciais do governo brasileiro com o de Cuba, que resultam no momento em decisiva contribuição dos cofres públicos nacionais para a implantação da Zona de Desenvolvimento Especial do Porto de Mariel na ilha dos irmãos Castro, este mais recente afago à ditadura cubana reitera o carinho de Dilma Rousseff pelo dogmatismo ideológico que o lulopetismo compartilha com os Castros e só não logrou ainda consagrar plenamente entre nós por duas razões. Primeiro, porque, pragmaticamente, sua prioridade passou a ser manter-se no poder a qualquer custo; depois, pela razão histórica de que a superação de dois regimes discricionários no século passado, o getulista e o militar, teve o dom de fortalecer nossas instituições democráticas e dificultar a escalada de aventuras autoritárias, especialmente a partir da promulgação da Carta Magna de 1988 - a cujo texto, aliás, o PT fez ferrenha oposição.

A conquista do poder e seu exercício por onze anos converteram o lulopetismo, nunca é demais repetir, em um pragmatismo que hoje o identifica com as piores práticas políticas que são, desde sempre, a principal característica do patrimonialismo. Mas, principalmente para efeito externo - mas também para satisfazer a militância que ainda imagina pertencer ao velho PT -, o discurso "libertário" do "socialismo do século 21" mantém-se inalterado e foi para exercitá-lo que Dilma Rousseff decidiu encerrar na ilha dos Castros seu último périplo internacional. Pois precisava de algum modo exorcizar eventuais fluidos negativos remanescentes de sua passagem por Davos, o covil do capitalismo, onde foi praticamente implorar por investimentos estrangeiros no Brasil.

Ao lado de Raúl Castro e no indispensável beija-mão de Fidel, Dilma esteve perfeitamente à vontade. Não se poupou de reafirmar que tem "muito orgulho" da boa relação que mantém com a dupla que há mais de meio século domina a ilha com mão de ferro e nenhum apreço pelas liberdades democráticas. Derreteu-se em agradecimentos ao favor que Cuba presta ao Brasil ao fornecer, para o programa Mais Médicos, a um custo altíssimo só parcialmente repassado aos profissionais, os doutores que aqui desembarcam para suprir a deficiência de atendimento básico nos grotões que a incompetente política nacional de saúde não tem conseguido alcançar. Para conferir maior brilho a esse tópico de sua agenda em Havana, Dilma levou a tiracolo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que brevemente será o candidato do PT ao governo de São Paulo.

Mas foi no Porto de Mariel, no qual o nosso Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já havia investido mais de US$ 800 milhões e agora vai colocar outros US$ 290 milhões - menos mal que com a condição de serem gastos com fornecedores brasileiros de bens e serviços -, que Dilma escancarou sua admiração pela mítica ilha dos sonhos da esquerda inconsequente. Chegou mesmo a enaltecer o fato de que "Cuba gera um dos três maiores volumes de comércio do Caribe", algo assim tão relevante e extraordinário para a economia globalizada quanto, para o futebol mundial, saber que o Confiança Futebol Clube, de Aracaju, é uma das três maiores forças do ludopédio sergipano.

A presidente foi a Havana também para bater ponto na 2.ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos (Celac), preciosa oportunidade para mais uma manifestação de simpatia pela ideologia "libertária" que irmana o lulopetismo aos Castros e a outros aventureiros bolivarianos do continente.

Ao procurar sua turma, Dilma Rousseff deixa no ar uma questão fundamental para o futuro da democracia brasileira, que a tão duras penas tenta se consolidar: o que o PT planeja para o Brasil é o mesmo que, para ficar apenas no continente, os amigos de fé de Lula e Dilma oferecem a cubanos, nicaraguenses, venezuelanos, bolivianos, equatorianos e argentinos? Sonho por sonho, melhor acreditar que tudo é apenas jogo de cena.

Com O Estado de SP

terça-feira, 21 de janeiro de 2014 | By: Vânia Santana

União gastou R$ 2,4 bilhões com diárias e passagens em 2013


Em julho de 2013, o ministro da Fazenda afirmou que as despesas com diárias e passagens seriam reduzidas para viabilizar o corte de R$ 10 bilhões no orçamento federal.
No entanto, ao contrário do esperado pelo ministro, os gastos com passagens e diárias da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) bateram recorde no ano passado, alcançando a cifra de R$ 2,4 bilhões. Foram pagos R$ 1,1 bilhão em diárias e R$ 1,3 bilhão em passagens e despesas com locomoção.

No ano passado R$ 2 bilhões foram destinados ao pagamento de despesas realizadas em razão de viagem a trabalho dos servidores públicos. De 2001 a 2013, os valores gastos com diárias e passagens chegam a R$ 26,2 bilhões, se considerados os valores constantes (atualizados pela inflação).
Confira tabela 

O Ministério da Educação lidera os gastos com esses tipos de despesa, com desembolso de R$ 413,5 milhões. O valor é superior ao pago pelo órgão em 2012, ano em que destinou R$ 324,9 milhões às passagens e diárias. O Ministério da Defesa vem logo em seguida, com despesas de R$ 358,1 milhões.

No ano anterior, R$ 317,2 milhões haviam sido pagos pela Pasta. Completa o pódio dos órgãos que mais gastaram com diárias e passagens o Ministério da Justiça, que desembolsou R$ 263,5 milhões em 2013, ante os R$ 216 milhões do ano anterior. O Ministério da Saúde vem logo atrás, tendo gasto R$ 201,6 milhões no ano passado, valor superior ao montante de 2012, de R$ 122,9 milhões.

Econômicos 
Onze órgãos da União diminuíram as despesas com diárias e passagens em 2013. A Justiça Eleitoral foi a Pasta responsável pela maior redução. O órgão diminuiu os gastos em R$ 29,1 bilhões, passando de R$ 67,1 milhões em 2012 para R$ 38 milhões no ano passado. O Ministério das Relações Exteriores também poupou no ano passado, tendo economizado R$ 10,4 milhões. Os gastos do órgão passaram de R$ 63,3 milhões em 2012 para R$ 52,9 milhões em 2013. Completam a lista dos órgãos que diminuíram os gastos os ministérios da Agricultura, Turismo, Minas e Energia, Trabalho, Transportes e Previdência Social e o Conselho Nacional de Justiça.

No Congresso Nacional, Câmara e Senado gastaram juntos R$ 56,6 milhões em 2013, o que representou economia de R$ 649 mil em relação ao montante desembolsado em 2012, de R$ 57,3 milhões. Veja lista completa 

A Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990 garante, aos servidores públicos que efetuam deslocamentos em razão do interesse público, o direito ao recebimento de diárias e passagens. A diária é a verba concedida para pagamento de despesas como alimentação, estadia e deslocamento que o servidor realizar em razão da viagem a trabalho. Esses benefícios também se estendem aos colaboradores eventuais, que viajam para participar de eventos ou desenvolver atividade no interesse da Administração Pública, de acordo com a Lei n° 8.162, de 8 de janeiro de 1991.

Contas Abertas

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014 | By: Vânia Santana

Entre investimento e renúncia, governo coloca R$ 750 mi em estádios da Copa

O governo federal coloca nas 12 arenas que recebem jogos da Copa do Mundo -- que começa dia 12 de junho no Brasil --, nos CTs (Centros de Treinamento) das seleções, nos campos de treino oficiais da Fifa nas cidades-sede e em reforma de estádios no geral pelo menos R$ 750 milhões durante a preparação para o Mundial, ao contrário do que afirmou a presidente Dilma Rousseff em Cadeia Nacional de Rádio e Televisão durante as manifestações que aconteceram em todo o país durante a Copa das Confederações, em junho do ano passado. Na ocasião, a presidente disse em discurso oficial que não havia dinheiro federal aplicado na preparação de estádios para a Copa, somente empréstimos feitos pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social).

Levantamento feito pela reportagem com ajuda da Associação Contas Abertas e informações do Ministério do Esporte mostram que, apenas de investimento direto nos 83 CTs presentes no catálogo oficial da Fifa oferecidos como bases para as seleções da Copa e em outros estádios e campos de futebol excluídos da lista antes da versão consolidada, o governo federal gasta pelo menos R$ 233 milhões. Destes, R$ 149 milhões em locais que não serão usados na Copa, como mostrou o UOL Esporte na semana passada.

Ao incluirmos nessa conta a renúncia fiscal do Recopa -- programa especial da União que prevê uma série de isenções de impostos às empreiteiras para a construção dos estádios da Copa --, estimada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em R$ 329 milhões, e os R$ 189 milhões que o BNDES deixará de ganhar com os juros reduzidos cobrados nos empréstimos aos consórcios e governos estaduais para construção dos estádios do Mundial de futebol (também nas estimativas do TCU em 2013), chegamos ao valor de pelo menos R$ 750 milhões investidos em estádios e campos de futebol para a Copa.

Se ainda considerarmos que a Terracap, empresa estatal do Distrito Federal por meio da qual o governo do DF construiu o estádio Mané Garrincha em Brasília, é 49% de propriedade da União, a conta sobe ainda mais, conforme revelou o UOL Esporte em junho do ano passado. Em valores atualizados a arena, a mais cara do Mundial, está em R$ 1,7 bilhão, de acordo com dados do TC-DFT (Tribunal de Contas do Distrito Federal e Territórios) -- R$ 1,4 bilhão já gastos e outros R$ 300 milhões em obras complementares e no entorno que ainda não foram iniciadas.

Todo o valor é pago pela Terracap. Assim quase metade desta quantia, ou cerca de R$ 850 milhões, seria de responsabilidade do governo federal. Somado com os R$ 750 milhões já calculados, chega-se ao valor de R$ 1,6 bilhão de dinheiro do Tesouro Nacional investido em estádios e campos de futebol no ciclo de preparação para o Mundial da Fifa.


Comparação

Em 2013, o Ministério do Esporte separou um orçamento de R$ 183 milhões -- não inteiramente executado e com repasses atrasados, conforme mostrou o UOL Esporte-- para o Programa Bolsa-Atleta, que concede ajuda financeira para que atletas profissionais em modalidades olímpicas possam treinar. Foram 5.691 atletas beneficiados no ano passado, com bolsas que vão até R$ 3.100. Para 2014, o Bolsa-Atleta tem reservados no orçamento federal R$ 181 milhões. Com apenas os R$ 233 milhões que o governo federal gasta diretamente em CTs e campos de futebol Brasil afora, seria possível atender pelo menos mais 7.200 atletas com as bolsas em média, mais que o dobro da quantidade atual.

Daria também para construir 70 Centros de Iniciação ao Esporte iguais aos anunciados pelo ministro Aldo Rebelo em dezembro do ano passado. Os centros, que serão construídos em 263 cidades do Brasil, tem um custo entre R$ 3 milhões e R$ 3,6 milhões por unidade. Os locais possuem ginásios e quadras poliesportivos, além de equipamentos esportivos específicos para 13 modalidades olímpicas: atletismo, basquete, boxe, handebol, judô, lutas, tênis de mesa, taekwondo, vôlei, esgrima, ginástica rítmica, badminton e levantamento de peso.

Seis modalidades paraolímpicas (esgrima de cadeira de rodas, judô , halterofilismo, tênis de mesa, vôlei sentado e goalball) além do futebol de salão também poderão ser praticadas nos centros, de acordo com o Ministério do Esporte. Apenas em 2013, o governo federal gastou ou empenhou no mínimo R$ 99 milhões com os CTs da Fifa -- ou mais da metade do valor orçado para o Programa Bolsa-Atleta. 

'Legado para a população'

O Ministério do Esporte afirma por meio de sua assessoria de imprensa que não é verdadeira a conclusão tirada pela reportagem. "É missão do Ministério do Esporte fomentar a prática esportiva e aprimorar os equipamentos públicos esportivos em todo o território nacional", diz a nota enviada ao UOL Esporte. " Por isso foram destinados recursos aos locais candidatos a Centros de Treinamento de Seleções. São equipamentos públicos, em especial em localidades que não são sedes do Mundial, e que ficarão de legado para a população, dentro do conceito de nacionalização dos benefícios da Copa do Mundo. Não são, portanto, estádios para a Copa".

Sobre a renúncia fiscal do Recopa e os juros favoráveis do BNDES às construtoras dos estádios, o governo afirma que é papel dele oferecer condições favoráveis pois trata-se de um banco de fomento à economia, e "isenções fiscais e financiamento não podem ser considerados gastos, porque alavancam geração de empregos e desenvolvimento econômico e social, com consequente aumento na arrecadação. Inúmeros segmentos produtivos, em todo o país, são beneficiados". De acordo com a Matriz de Responsabilidades do governo, os 12 estádios da Copa estão com um custo total estimado em R$ 8 bilhões. Destes, R$ 3,9 bilhões financiados pelo BNDES.

"O governo federal reafirma que não há recursos do Orçamento da União na construção ou reforma das 12 arenas da Copa do Mundo, como declarou a presidenta da República, Dilma Rousseff, em pronunciamento feito no ano passado", termina o Ministério do Esporte.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014 | By: Vânia Santana

Cesta Básica, o custo real nos supermercados

A determinação constitucional estabelece que o salário mínimo deva suprir as despesas de necessidades básicas do trabalhador e sua família, como alimentação, previdência, transporte, lazer, moradia, educação, vestuário e higiene. Baseado no valor mais caro da cesta básica no país, o DIEESE calcula mensalmente o valor do salário mínimo necessário. Em levantamento feito em novembro de 2013, o valor da cesta básica mais cara foi a de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul  (R$ 328,72). O Dieese estimou que o valor do salário mínimo deveria ser de R$ 2.761,58, para o mês de novembro, ou seja 4,07 vezes o salário mínimo vigente de R$ 678,00.

Basta clicar neste link que o leitor poderá verificar a metodologia usada para o cálculo da cesta básica utilizado pelo Dieese: Cesta Básica Nacional – Metodologia.

Hoje a Fundação Getúlio Vargas anunciou a inflação de dezembro pelo  IGP-DI (Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna): 5,52%.

Mas, é no supermercado que encontramos a realidade da inflação, muito diferente da oficial divulgada e das propagandas de governo. Sem usar metodologia nenhuma, a cada mês sentimos no bolso seu peso cada vez maior.

Para que isto fique claro na mente do leitor, tanto quanto já está no bolso,  decidi fazer por conta própria uma ‘tour’ nos supermercados, para levantar os preços dos produtos que constam na cesta básica.
A lista dos produtos e quantidades que utilizei nesta ‘pesquisa espontânea de mercado’ foi a fornecida pelo PROCON. Algumas listas divergem em produtos, acrescentando pão, tomate e bananas, que não constam desta.

A pesquisa foi realizada nas três maiores redes de supermercados daqui de São Bernardo do Campo, SP. Na verdade, 2 Hipermercados e um supermercado de grande porte. Todos de varejo. Os produtos pesquisados foram os mais baratos encontrados disponíveis nas prateleiras, e as marcas divergem na maioria. As carnes (1ª e 2ª) cotadas foram patinho e coxão duro, respectivamente. A linguiça, a toscana. A salsicha bovina. A pesquisa foi realizada ontem no final da tarde, e hoje pela manhã. Segue a tabela, clique sobre ela para aumentar:

tabela cesta básica 2013


Como o leitor pode perceber, as variações de preços comparadas com o valor anunciado da cesta básica em SP (325,56) são muito maiores que a inflação anunciada hoje de dezembro. Ainda estamos na primeira semana útil do ano. E isto no que se refere aos preços mais baratos à venda, apenas o mínimo - inclusive de baixos nutrientes alimentares - para sobrevivência. Notem que na lista não consta sequer sal, vinagre e temperos além de cebola e alho. Não há frutas, legumes e verduras (exceto as que incluem bananas atualmente). Não há peixes. Não há carne suína. Não há shampoo.

Dados importantes:
Os fabricantes de absorvente higiênico alteraram a quantia na embalagem de 10 para 08 unidades.
5 kg de frango, não são 2 frangos, cada um pesa em média 2,80/ 3kg.
300g de lingüiça (grossa) são 2 ou 3 lingüiças.
500g de salsicha são 8 a 10 salsichas.
500g de mussarela fatiada equivalem a  20/25 fatias.
Quem não tem essa noção talvez vendo o peso na lista julgue que se viva um mês com ela. Ou com um salário mínimo de R$ 724,00 a partir deste mês, com um aumento de menos de 7%. Um simples olhar comparando os R$ 46,00 de aumento do salário com o aumento apenas da cesta básica demonstrada como diferença na tabela acima,  já mostra o quanto estamos com dificuldades econômicas. Algo que só dá pra maquiar nas propagandas na tv.

Usando a metodologia do Dieese nesta pesquisa, o custo médio da cesta  é de R$ 429,79, um valor 32% maior do que a cesta básica anunciada. A menos que alguém se dê ao trabalho de pesquisar mensalmente e depois comprar os itens mais baratos como destacado na tabela, em mercados diferentes para economizar e ainda assim pagar 11,55% a mais que o valor anunciado. E como tempo, transporte ou gasolina também são preciosos e tem custo, esse alguém irá se perguntar: vale à pena?

Talvez valesse. Se não tivessem os brasileiros que trabalhar muito para poder pagar além de nossa sobrevivência, tantos impostos, somando a isto absurdas e abusivas mordomias alheias das vossas excelências, como o valor de 22 cestas básicas do trabalhador por mês para o Sr. Presidente do Senado Renan Calheiros, se alimentar com toneladas de carnes, peixes e lagostas.
Isto para citar apenas um exemplo.

Por Vânia Santana

Atualização 09/01/2013 às 14:00hs
Errata: O valor da tabela de preços "+ baixos" equivalente ao item biscoito maisena, foi digitado o preço unitário de R$ 1,31, quando deveria ser o total (4 unidades) de R$ 5,24. Desta forma a soma correta é R$ 366,99. Portanto a porcentagem da diferença (R$ 41,43) sobe para 12,8% ao invés dos 11,55% informados na tabela e no texto.


domingo, 5 de janeiro de 2014 | By: Vânia Santana

Recorde: “Orçamento paralelo” deve somar R$ 240,1 bilhões em 2014

Já é tradição o orçamento da União contar com uma “ajudinha” de compromissos assumidos em anos anteriores, mas não pagos nos respectivos exercícios. Dessa vez, no  entanto,  além de lançar ordens bancárias de investimentos nos últimos dias de 2013, o governo compromissou, mas não pagou no ano, passado cerca de R$ 165 bilhões. Se o montante for somado ao estoque de restos a pagar já existente (R$ 76 bilhões) deverá gerar inscrição e reinscrição de restos a pagar de aproximadamente R$ 240,1 bilhões para este ano.

O valor “rolado” para 2014 é recorde e R$ 63,9 bilhões superior ao mesmo ao de 2013, quando os restos a pagar somaram R$ 176,7 bilhões. Os compromissos de anos anteriores que só serão pagos em 2014 formam uma espécie de “orçamento paralelo” para o período, o que é criticado por especialistas.
Assim como aconteceu no ano passado, o governo ainda poderá cancelar empenhos emitidos e não pagos para atenuar o recorde de restos a pagar. Mesmo se isso acontecer, dificilmente o volume de restos a pagar para este exercício será inferior ao valor de 2013.

Não estão incluídos nos cálculos os dispêndios das empresas estatais, dos estados e municípios e da iniciativa privada, que não são contabilizados no sistema de receitas e despesas da União, o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).

A maior parcela dos restos a pagar a serem inscritos e reinscritos em 2014 é do “tipo” não processados (R$ 201,2 bilhões). A situação ocorre quando ao final do ano existe o  empenho mas não há, ainda, o reconhecimento da administração pública de que o serviço foi prestado ou de que o bem adquirido foi entregue. Já os restos a pagar processados surgem quando ao fim do exercício há o empenho e também o reconhecimento de que houve a prestação do serviço ou a entrega do bem. Ao fim de 2013, os restos a pagar processados somaram R$ 38,9 bilhões, valor elevado em se considerando que as premissas para o pagamento já estavam, em tese, atendidas.

Os restos a pagar que irão virar de 2013 para 2014 estão distribuído entre diversos tipos de despesas. Além dos R$ 88,1 bilhões estimados para restos a pagar de “investimentos”, existem cerca de R$ 188,2 bilhões de restos a pagar em “outras despesas correntes” e R$ 27,9 bilhões em “inversões financeiras”.
Para Felipe Salto, especialista em finanças públicas da Consultoria Tendências, os restos a pagar são um problema em busca de uma solução. “Quando o valor de restos a pagar é elevado na natureza de despesa de investimentos é  até compreensível, já que algumas obras podem extrapolar um ano. Porém, o que notamos é que os restos a pagar de 2013 para 2014 também envolvem  despesas de custeio com valores muito altos. Ter um orçamento paralelo dessa magnitude é falta de compromisso com o orçamento produzido para o ano e com o resultado fiscal, que estaria muito pior caso os pagamentos fossem realizados no período correto”, explica Salto.

Os restos a pagar (RAP) são despesas de um exercício fiscal que serão pagas no ano fiscal posterior ao da sua aprovação na Lei Orçamentária Anual. Os RAPs se dividem em dois tipos: processados e não processados, que dependem da fase da execução da despesa.
Quando a despesa pública é liquidada, significa que o serviço que deu origem a esse gasto já foi efetuado e reconhecido pelo ordenador de despesas, faltando, apenas, o desembolso efetivo do dinheiro (pagamento). Essa despesa liquidada, mas ainda não paga, é aquela que dá origem aos Restos a Pagar Processados (RAP processados).

Já no caso de Restos a Pagar Não Processados, a despesa foi planejada, autorizada e empenhada, mas o ordenador de despesas ainda não reconheceu a prestação do serviço ou a execução do investimento. Assim, a despesa não foi liquidada e o empenho passou para o próximo exercício financeiro. Os recursos empenhados em um ano que são transferidos para o exercício fiscal seguinte são chamado de Restos a Pagar Não Processados.

Evolução
Com o volume crescente de restos a pagar – os RAP em valores constantes (atualizados pelo IGP-DI, da FGV), em 2002 representavam cerca de R$ 57,5 bilhões – criou-se o “orçamento” paralelo. A título de exemplo, nos investimentos da União, foram pagos com o orçamento do ano de 2013 cerca de R$ 16,9 bilhões. No entanto, em decorrência dos restos a pagar foram desembolsados R$ 30,4 bilhões.
No PAC, com o orçamento do ano passado a despesa foi de R$ 19,6 bilhões, enquanto os restos a pagar totalizaram R$ 25,1 bilhões.

Para o especialista em finanças públicas, Mansueto Almeida, a elevação dos restos a pagar é preocupante. “Com mais da metade dos investimentos ocorrendo via restos a pagar, ao invés do processo orçamentário contemplar as obras prioritárias para o próximo ano, o governo realiza obras dos anos anteriores. A execução acontece olhando para o passado”, explica.

Segundo Mansueto, esse crescimento foi “planejado”, pois o governo vem flexibilizando a utilização de restos a pagar. “O Decreto 93.872, de 1986, determinava que os restos a pagar não processados deveriam ser liquidados nos dois anos subsequentes. Contudo, em 2007, essa regra deixou de valer para a saúde, a educação e o PAC (que abrange as grandes e importantes obras do governo federal). Ou seja, o esperado era que esse tipo de despesa crescesse”, explica.

De acordo com o economista, a cada ano fica mais difícil realizar medidas para cancelar os restos a pagar, já que o governo acaba refém do que promete aos parlamentares por meio de emendas. “O saldo de restos a pagar cresceu tanto, que o próprio governo tornou inócuo os processos de cancelamentos. É muito difícil cancelar o empenho por conta das promessas feitas aos parlamentares. O governo se vê incapaz de cancelar esses recursos. Desde 2006, a taxa de cancelamento vem caindo”, afirma.

Cidades e Transportes lideram restos a pagar
Os ministérios das Cidades e dos Transportes são os que mais contribuem para a formação total dos restos a pagar para 2014. A estimativa é que o primeiro conte com R$ 15,1 bilhões em compromissos assumidos em anos anteriores neste exercício. Os programas da Pasta mais “beneficiados” pelo estoque de restos a pagar foram “Planejamento Urbano” (R$ 2,6 bilhões), “Urbanização, Regularização Fundiária e Integração de Assentamentos Precários” (R$ 2,3 bilhões) e “Saneamento básico” (R$ 2,1 bilhões).
Já o Ministério dos Transportes deve ter R$ 14,2 bilhões em restos a pagar para desembolsar em 2014. Do total, R$ 10,1 bilhões estão concentrados no programa “Transporte Rodoviário”. Outros R$ 949,3 milhões estão destinados à rubrica “Transporte Ferroviário”.

PAC
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um dos principais propulsores dos investimentos do governo federal, também terá volume significativo de restos a pagar para 2014.  Cerca de R$ 69,6 bilhões devem ser inscritos ou reinscritos nessa categoria de pagamento. O valor é superior à própria dotação do programa no ano passado.
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