sábado, 10 de agosto de 2013 | By: Vânia Santana

As denúncias do operador do PMDB na Petrobras

O lobista João Augusto Henriques denuncia cobrança de propina para fechar contratos e diz que dinheiro foi para deputados – e até para a campanha presidencial


 
O caso da refinaria

>>Trecho de reportagem de ÉPOCA desta semana:

João Augusto estava em silêncio. Permanecia inclinado à frente, apoiava-se na mesa com os antebraços. Batia, sem parar, a colherzinha de café na borda do pires – e mantinha o olhar fixo no interlocutor. Parecia alheio à balbúrdia das outras mesas no Café Severino, nos fundos da Livraria Argumento do Leblon, no Rio de Janeiro, naquela noite de sexta-feira, dia 2 de agosto. A xícara dele já estava vazia. O segundo copo de água mineral, também. João Augusto falava havia pouco mais de uma hora. Até então, pouco dissera de relevante sobre o assunto que o obrigara a estar ali: as denúncias de corrupção contra diretores ligados ao PMDB, dentro da Petrobras. Diante dos documentos e das informações obtidos por ÉPOCA sobre sua participação no esquema, João Augusto respondia evasivamente. Por alguma razão incerta, algo mudara nos últimos minutos. O semblante contraído sumira. Esperei que o silêncio dele terminasse.

– O que você quer saber?, disse ele.
– Sobre os negócios, respondi.

Foi então que João Augusto Rezende Henriques disse, sem abaixar a voz ou olhar para os lados: “Do que eu ganhasse (no contratos intermediados com a Petrobras), eu tinha de dar para o partido (PMDB). Era o combinado, um percentual que depende do negócio”. A colherzinha não tilintava mais.

Iniciava-se, ali, um desabafo motivado pelas denúncias que ÉPOCA investigava havia cerca de um mês. O caso envolvia a Petrobras – maior empresa do país, 25ª do mundo, com faturamento anual de R$ 281 bilhões. Começara com apenas uma pista: um contrato assinado em 2009, em Buenos Aires, entre o advogado e ex-deputado Sérgio Tourinho e o argentino Jorge Rottemberg. No documento, previa-se que Tourinho receberia US$ 10 milhões de uma empresa no Uruguai, um conhecido paraíso fiscal, caso a Petrobras vendesse a refinaria de San Lorenzo, avaliada em US$ 110 milhões, ao empresário Cristóbal Lopez, conhecido como czar do jogo na Argentina e amigo da presidente Cristina Kirchner. À primeira vista, o contrato não fazia sentido. Por que um lobista de Buenos Aires se comprometeria a pagar US$ 10 milhões a um advogado brasileiro, de Brasília, caso esse advogado, sem experiência na área de energia, conseguisse fechar a venda de uma refinaria da Petrobras na Argentina?

ÉPOCA foi buscar a resposta em entrevistas com partícipes do negócio, parlamentares e funcionários ligados ao PMDB. O advogado Tourinho era sócio dos lobistas do PMDB, que trabalhavam em parceria com Jorge Zelada, diretor internacional da Petrobras desde 2008 e, segundo João Augusto, apadrinhado do PMDB. A operação San Lorenzo, diz ele, não era um caso isolado. Era mais um dos muitos negócios fechados pelos operadores do PMDB na área internacional da Petrobras. De acordo com João Augusto, todos os contratos na área internacional da Petrobras tinham de passar por ele, João Augusto, que cobrava um pedágio dos empresários interessados. De acordo com ele, de 60% a 70% do dinheiro arrecadado dos empresários era repassado ao PMDB, sobretudo à bancada mineira do partido na Câmara, principal responsável pela indicação de Zelada à Petrobras. De acordo com João Augusto, o dinheiro servia para pagar campanhas ou para encher os bolsos dos deputados. O restante, diz ele, era repartido entre ele próprio e seus operadores na Petrobras – os responsáveis pelo encaminhamento dos contratos.

Segundo João Augusto e outros quatro lobistas do PMDB, o dinheiro era distribuído a muita gente em Brasília. A maior parte seguia para os dez deputados do partido em Minas, entre eles o atual ministro da Agricultura, Antonio Andrade, e o presidente da Comissão de Finanças da Câmara, João Magalhães. O dinheiro, de acordo com João Augusto, não ficava apenas com essa turma. Segundo o relato dele e dos outros lobistas, o secretário das Finanças do PT, João Vaccari, recebeu o equivalente a US$ 8 milhões durante a campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010. João Augusto diz que organizou, com Vaccari, o repasse para a campanha de Dilma. O dinheiro, segundo ele, foi pago pela Odebrecht, em razão de um contrato bilionário fechado na área internacional da Petrobras, que dependia de aprovação do então presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, do PT. À Justiça Eleitoral, a campanha de Dilma declarou ter recebido R$ 2,4 milhões da Odebrecht. O coordenador financeiro da campanha de Dilma Rousseff, José de Filippi Júnior, afirma que não conhece João Augusto. “Posso garantir que ele não participou da arrecadação de recursos para a campanha da presidenta Dilma Rousseff, que toda arrecadação foi feita por meio de Transferência Eletrônica Bancária, e que as contas da campanha da presidenta foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral”, diz.
As denúncias de João Augusto são contestadas pelos acusados. Vaccari diz que não era responsável pela tesouraria da campanha de Dilma. Afirma ainda que “todas as doações ao PT são feitas dentro do que determina a legislação em vigor e de uma política de transparência do PT”. Gabrielli diz, por meio de nota, não ter conversado sobre o contrato da Odebrecht com Vaccari. Zelada afirma desconhecer a atuação de João Augusto na intermediação de contratos na Petrobras e nega ter sido indicado pelo PMDB. A Petrobras informou em nota que não comentaria o assunto. Apesar de todas as contestações, a reportagem de ÉPOCA confirmou, por meio de entrevistas em três cidades, vários pontos do depoimento de João Augusto. Investigações oficiais ainda são necessárias para apurar todas as suas denúncias.

De: Época

Reportagem completa na revista.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013 | By: Vânia Santana

Usina Abreu e Lima, o monstro superfaturado do PAC




Foto: Hélia Scheppa / JC Imagem
A monstruosa obra da Usina Abreu e Lima, que está sendo construída no Complexo Industrial Portuário de Suape, em Pernambuco, levou a refinaria ao posto da mais cara do planeta. Com orçamento inicial de US$ 2,3 bilhões, (R$ 4,7 bilhões quando foi aprovado o projeto em 2005) a obra já foi paralisada várias vezes pelo TCU (Tribunal de Contas da União) por irregularidades. O custo estimado hoje já chega em US$ 26,5 Bilhões (R$ 41,2 bilhões). Quase nove vezes mais caro.

A usina começou a ser construída em 2007, e o primeiro trem de refino, deveria ficar pronto em 2010 e o segundo, em 2011. De acordo com os números do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a obra deverá ter a primeira etapa concluída em novembro de 2014 e a segunda, em maio de 2015.

foto reprodução: Google Earth

O ambicioso projeto da Petrobrás pretende refinar cerca de 230 mil barris de petróleo por dia. De um projeto que ainda não saiu do papel, a refinaria Al Zour, no Kuwait, teria um custo de US$ 19 bilhões. E a mais cara então já construída, fica na Índia, a Jamnagar, com extração de 1,2 milhões de barril/dia, cinco vezes mais que a Refinaria Abreu e Lima pretende produzir.
A Usina Abreu e Lima, também é recordista quando o parâmetro é custo com capacidade de produção. Na refinaria indiana, o custo de processamento é de US$ 10 mil por barril. No projeto do Kuwait seria de US$ 30 mil e o da Abreu e Lima, já está na casa dos US$ 75 mil, e subindo.

O TCU através do programa Fiscobras, recomendou a Câmara e a Petrobrás a paralisação das obras e a revisão de contratos, cujo prejuízo se aproxima de R$ 1,5 Bilhões para os brasileiros sócios da Petrobrás, mas ambas não acataram a recomendação do TCU. Seis dos principais contratos estariam com sobrepreço. Todos vêm sendo acompanhados pelo TCU desde 2010, com exceção do contrato dos dutos, que entrou na lista de irregularidades em 2011. Os seis contratos somam R$ 11,95 bilhões:

tabela produzida com dados do relatório de fiscalização TC 006.583/2012-1

Você pode conferir na íntegra o Relatório da Fisbobras 2012, clicando aqui: Fiscobras 2012

A Arpe (Agência Reguladora de Pernambuco) multou no mês passado a refinaria por não ter avisado sobre o atraso da operação de sua usina termelétrica de 2014 para 2015. A usina terá capacidade para 200 megawatts (MW) e tem como objetivo abastecer a própria refinaria, que vai consumir uma carga suficiente para abastecer um município de mais de 400 mil habitantes ou 270 mil imóveis (veja mais aqui: Jornal do Comércio)

A Abreu e Lima já começou errada desde que escolheu para sócio a PDVSA da Venezuela, que até hoje, não participou com um centavo na obra. Graça Foster (presidente da Petrobras desde 13/02/2012) disse que 'este caso da Abreu e Lima deveria ser estudado e nunca mais repetido'. 

Mas, além das desculpas, qual seria a verdade e o responsável sobre uma obra com gigantescos erros de planejamento e custos?


domingo, 4 de agosto de 2013 | By: Vânia Santana

Filho de ditador gasta em compras o dobro da dívida com o Brasil




Teodorín Obiang é herdeiro de Teodoro Obiang Nguema, há 34 anos no poder na Guiné Equatorial



Teodorín Obiang, o filho do ditador Teodoro Nguema Obiang da Guiné Equatorial
 Agência O Globo
RIO - Quando Ali Bongo assumiu a presidência do Gabão, quatro anos atrás, a Embaixada dos EUA em Libreville reportou a Washington um roubo de R$ 84 milhões (€ 28 milhões) no Banco Central regional, que atende a oito países da África Central.


Os diplomatas americanos registraram em documento - disponível nos arquivos do WikiLeaks - a versão corrente na época: o ditador gabonês Omar e seu herdeiro Ali foram os beneficiários, e usaram parte dos recursos para financiar partidos políticos franceses, apoiando inclusive o então presidente da França, Nicolas Sarkozy.
A quantia roubada era equivalente a 5% do capital do banco. E dez vezes maior que o valor do perdão da dívida do Gabão com o Brasil proposto pela presidente Dilma Rousseff ao Senado.
O caso enfureceu governantes sócios dos Bongos no Banco dos Estados da África Central. Todos se sentiram roubados. A família Obiang, que governa a Guiné Equatorial, exigiu mudanças na direção e na forma de operação do banco.
Ontem, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo comemorou 34 anos no poder. Aos 71 anos de idade, ele é o mais antigo ditador africano em atividade.
Obiang comanda um país cuja riqueza subterrânea, em petróleo, contrasta com a plena miséria da superfície: sete de cada dez habitantes (600 mil) sobrevivem com renda inferior a US$ 2 por dia, segundo o Banco Mundial.
Apenas 44% da população da Guiné Equatorial têm acesso à água potável e a desnutrição impera entre 39% das crianças com menos de 5 anos. O presidente, no entanto, se destaca entre os oito governantes mais ricos do planeta, segundo a revista “Forbes”.
A Guiné Equatorial tem uma dívida de R$ 27 milhões (US$ 12 milhões) pendente há duas décadas com o Brasil. O governo Lula chegou a anunciar sua liquidação, com anistia, mas não concretizou. A presidente Dilma Rousseff decidiu renegociá-la com anistia.
No centro do interesse brasileiro estão petróleo e contratos de obras que fizeram o fluxo de comércio entre o Brasil e a Guiné Equatorial se multiplicar, saltando de US$ 3 milhões em 2003 para cerca de US$ 700 milhões no ano passado. Nesse período, o ditador Obiang tornou-se um “caro amigo” para o ex-presidente Lula. E personagem relevante aos olhos da presidente Dilma, para quem “o engajamento com a África tem um sentido estratégico”.

Auxílio a acusado de genocídio

Para o clã Obiang, a anistia financeira do Brasil não tem qualquer significado, além de uma espécie de aval político a uma ditadura contestada na ONU e sob investigação em tribunais da Europa e dos Estados Unidos.
Para os Obiang, uma quantia de R$ 27 milhões (valor da dívida com o Brasil) é dinheiro de bolso. Teodorín, filho mais velho e virtual sucessor do ditador, gastou o dobro disso numa única noitada de compras na Christie’s, em Paris. Foi durante o leilão da extraordinária coleção de arte de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé, em 2009 - informou o Departamento Antilavagem do Ministério das Finanças da França em relatório aos juízes parisienses Roger Le Loire e René Grouman.
Parte dos lotes que Teodorín arrematou incluía obras de Rodin, Degas e Monet. Elas foram apreendidas pela Justiça no final do ano passado. A polícia levou, também, peças de mobiliário avaliadas em R$ 117 milhões (US$ 52 milhões) e uma coleção de carros (sete Ferrari mais alguns Bentley, Bugatti Veyron, Porsche Carrera, Maybach Mercedes, Aston Martin, Maserati e Rolls-Royce).
O “tesouro”, como ficou registrado no boletim de ocorrência, estava em uma das residências do herdeiro Obiang em Paris - a mansão número 42 da avenida Foch (distrito 16), com 101 ambientes distribuídos em seis andares. Alguns dos veículos foram leiloados no mês passado.
No final do ano passado, a Justiça francesa mandou prender Teodorín por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele recorreu, mas a decisão foi mantida. No último carnaval esteve em Salvador, mas não foi preso: a polícia alegou que não sabia de sua presença na capital baiana e nem mesmo do pedido de prisão na França.
Com movimentos limitados também está Omar al-Bashir, 69 anos de idade, dos quais 24 no governo do Sudão. Ele foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional, das Nações Unidas, por genocídio. Recorreu, mas a sentença foi confirmada no ano passado.
Bashir suprimiu os partidos políticos, censurou a imprensa e dissolveu o Parlamento. Autonomeou-se líder do Conselho Revolucionário para a Salvação Nacional, e também chefe de Estado, primeiro-ministro e chefe das Forças Armadas. É o ditador de um país cuja superfície é pobre, mas cujo subsolo tem promissoras reservas de petróleo.
O Sudão tem uma dívida de R$ 98 milhões (US$ 43,5 milhões) com o Brasil. O governo informou ao Senado que pretende perdoar 90% do total - ou seja, uma anistia de R$ 88,2 milhões (US$ 39,2 milhões).
Para Bashir, isso equivale a uma dádiva financeira e política. Ele é o primeiro presidente da República no exercício da função a se tornar o alvo de um mandado internacional de prisão por genocídio. O apoio do governo Dilma Rousseff foi, até agora, um dos raros gestos de solidariedade que recebeu neste ano.

O Globo

XIX Foro de SP. Telesur e a lavagem cerebral do socialismo bolivariano

A Telesur, mídia oficial do governo da Venezuela, (como quase todas, pra não dizer todas por lá)  publicou hoje em sua página no site sobre o XIX Foro de São Paulo, o encontro dos partidos comunistas  da América Latina, que está acontecendo aqui em S.Paulo, com pouca divulgação pela mídia brasileira. São criadores do Foro de São Paulo, o faraó de Garanhuns Luiz Inácio Lula da Silva, junto com o rei do império vermelho na América Latina, o anti capitalista, e também milionário, Fidel Castro. São sócios do Foro os partidos brasileiros PT, PCdoB, PSB, PCB e PDT.

Eis a publicação, traduzida. Para ver a página, basta clicar sobre o "Telesur/KP" que será direcionado, no final deste texto:

"Um grupo de brasileiros da direita brasileira se manifestou em frente ao prédio onde se realiza a  XIX conferência do Foro de São Paulo, onde líderes esquerdistas discutem  as mudanças sociais e os desafios para consolidar os processos revolucionários.

No Brasil, um grupo de choque direitista manifestaram-se em frente à sede, na realização do Foro de São Paulo, onde líderes esquerdistas discutem as transformações sociais, forças políticas que a direita se recusa a reconhecer.

O correspondente da Telesur no Brasil, Rolando Segura, disse que um grupo de choque da direita brasileira estava no exterior do edifício, onde se reúnem milhares de líderes de esquerda do mundo.

Os direitistas gritaram, acompanhados por cartazes "Fora os comunistas", mas um residente do Brasil, Luciano Garcia, disse que essas pessoas "defendem  500 anos de vida indigna e miséria para os trabalhadores", ao contrário do que impulsiona a esquerda.

Frente aos ataques da direita, o encontro  de São Paulo seguiu as discussões sobre o legado do líder bolivariano Hugo Chávez como um líder  épico revolucionário, com políticas inclusivas ante o sistema de domínio que executa o capitalismo.

O irmão do Comandante Chávez, que é um membro da liderança do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Adan Chávez, disse após a reunião que agora existem outros desafios ", desenvolver um plano estratégico conjunto para consolidar conquistas econômicas e políticas e aprofundar a revolução cultural. "





Telesur / KP


Demagogia na saúde

O levantamento demográfico da medicina no Brasil, publicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em fevereiro, indicou que no nosso país o número de médicos cresceu 74%, na relação por 1.000 habitantes, de 1980 a 2012. Hoje se conta com 2 médicos para cada 1.000 habitantes, enquanto em 1980 a proporção era de 1,15. A meta proposta pela Frente Nacional de Prefeitos é de 2,75 por 1.000 habitantes no prazo de dez anos, o mesmo índice da Inglaterra. Esse crescimento desejado será consequência natural em face do número de inscrições nos Conselhos Regionais de formados pelas 201 faculdades existentes: de outubro de 2011 a outubro de 2012 se inscreveram 16.227 novos médicos.

Como destaca o censo demográfico da medicina, o problema não reside no número de médicos, mas na sua distribuição desigual pelas diversas regiões e, muito especialmente, na falta de outros profissionais de saúde, de instalações e equipamentos essenciais ao correto atendimento.

Malgrado esse quadro, o governo Dilma Rousseff, de modo demagógico, visando a satisfazer os objetivos de diminuir a carência de médicos em regiões prioritárias e as desigualdades regionais, criou, por medida provisória (MP), duas frentes: inovou o currículo do curso e permitiu o exercício da medicina aos formados no exterior, sendo a estes desnecessária a revalidação do diploma.

Quanto à primeira medida, inventou-se no currículo de Medicina um segundo ciclo a se realizar após os normais seis anos de curso - como se tal fosse necessário à formação do médico -, consistente na prestação obrigatória de atendimento médico a título de treinamento em serviço, exclusivamente, na atenção básica à saúde e em urgência e emergência no âmbito do SUS. Ignora-se que grande parte dos estudantes, sob orientação de seus professores, já presta, no 5.º e no 6.º anos, assistência a pacientes do SUS.

Essa imposição, da qual consta ter-se desistido, vigoraria a partir de 2021, pois aplicável aos estudantes que ingressassem na faculdade de 2015 em diante. Quem completasse o primeiro ciclo, os seis anos de curso, receberia inscrição provisória do Conselho Regional de Medicina ao se matricular no segundo ciclo, um meio médico, porque autorizado a atuar unicamente na atenção básica à saúde, em urgência e emergência no âmbito do SUS. Depois de cumprido o segundo ciclo receberia o estudante, então, o diploma de médico.

Prevê-se também que caberá ao estudante do segundo ciclo receber a necessária supervisão de sua instituição de ensino, como se isso pudesse ser feito pelas faculdades nos locais para onde será enviado o seu antigo aluno, no atendimento de emergência do SUS.

Trata-se de efetiva chantagem com o formando em Medicina: ou presta serviços ao SUS ou não recebe o diploma de médico - fazendo-se de conta que, depois do curso normal, trabalhar para o SUS seja essencial para a formação médica, para sua qualificação profissional. Viola-se a Constituição ao se impor um serviço obrigatório admitido pela nossa Carta apenas com relação ao serviço militar. Afronta-se o disposto no artigo 5.º, XIII, pois não constitui, evidentemente, qualificação profissional para o exercício da medicina a prestação de serviços de emergência no SUS.

Caberá ao Conselho Nacional de Educação regulamentar o segundo ciclo, mas este já se manifestou no sentido de transformar em residência médica os anos de trabalho obrigatório no SUS, ideia agora aceita pelo governo. Conforme editorial deste jornal, a residência não poderá ser feita, em geral, na rede do SUS por falta de qualificação para tanto, de vez que a residência, como aperfeiçoamento, apenas é factível em hospital-escola ou de referência. Eufemisticamente se chama de residência o trabalho obrigatório.

Mais grave ainda a segunda medida: elimina-se a necessidade de avaliação de médicos, brasileiros ou estrangeiros, formados no exterior, dispensando o exame de revalidação do diploma. Entrega-se a saúde pública, com cegueira deliberada, a uma aventura. Estudantes malsucedidos em vestibulares no Brasil, esses médicos formados na Bolívia, na Argentina e em Cuba, em cursos reconhecidamente sofríveis, não precisam do segundo ciclo nem de comprovar preparo técnico.

Quanto ao ensino cubano, basta o relato de ex-presidente do CFM Edson de Oliveira Andrade, que após visita à ilha assinalou: "Os médicos recém-formados em Cuba não conseguem aprovação nas provas de revalidação de diplomas no Brasil porque a sua formação é deliberadamente limitada, com ênfase nos cuidados básicos - importantíssimos por certo, porém insuficientes para o exercício de uma medicina plena, como precisamos e exercemos no Brasil".

Recebem os estrangeiros visto temporário de trabalho. Já os brasileiros, e são 20 mil a estudar Medicina na Bolívia, se livraram do vestibular e agora se livram também de revalidar o diploma, pois a MP exclui de incidência as normas do artigo 48, § 2.º, da Lei de Diretrizes e Bases, impositiva da revalidação, e do artigo 17 da Lei n.º 3.268/57, que exige para o exercício da medicina o registro do diploma no Ministério da Educação.

Deve-se lembrar ao ministro Lewandowski, do STF, que não viu urgência na concessão de liminar em ação interposta pela Associação Médica Brasileira contra a MP, poder tornar-se cúmplice da entrada de médicos mal formados, não avaliados, oriundos de cursos insuficientes em países latino-americanos. Urgente é impedir que a saúde seja entregue a profissionais despreparados, buscando magicamente suprir a desigual distribuição de profissionais nas regiões do País.

A demagogia não deve entrar na sensível área da saúde. Certo seria criar plano de carreira para médicos e iniciar ação conjunta com Estados e municípios para dotar de meios a rede pública de saúde. O mais é demagogia.

Por Miguel Reale Junior - O Estado de SP