segunda-feira, 4 de março de 2013 | By: Vânia Santana

Governo Dilma bate recorde de gastos com festividades e homenagens



Em dois anos, o governo de Dilma Rousseff ficou próximo de gastar com festividades e homenagens o mesmo que foi desembolsado nos quatro anos do segundo mandato do governo Lula. Em valores constantes (atualizados pelos IGP-DI, da FGV), enquanto o ex-presidente desembolsou R$ 144,6 milhões entre 2007 e 2010, a atual presidente já utilizou 91,1% desse valor em apenas dois anos de governo, o que significa montante de R$ 131,7 milhões.

O governo Dilma pode ser considerado o mais “festeiro” desde, pelo menos, 1999. As despesas com festividades e homenagens nos anos passado e retrasado bateram recordes. Em média, foram R$ 59,9 milhões por ano de mandato, enquanto seu antecessor desembolsou a média de R$ 36,1 milhões por ano no segundo mandato e R$ 11,9 milhões nos primeiros quatro anos de governo. No segundo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o gasto médio anual foi de R$ 14,6 milhões.

O ano passado bateu recorde com gastos em festividades e homenagens, com dispêndios de R$ 74,3 milhões. A cifra representou aumento de R$ 16,8 milhões quando comparada com os R$ 57,3 milhões de 2011, em valores constantes.

A Fundação Nacional de Arte (Funarte) foi a entidade “campeã”, com R$ 11,3 milhões em 2012. Entre os contratos realizados para eventos de festividades e homenagens, o mais significativo em valor foi o celebrado com a “Romepar Consultoria, Representações e Participações”, do Rio de Janeiro, quando foram pagos R$ 1 milhão para o arrendamento de local em Lisboa para a comemoração do ano “Brasil em Portugal”.

Em seguida, nas mesmas rubricas, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) gastou R$ 9,3 milhões. O maior contrato foi celebrado com o “Di Gagliardi Buffet”, de Brasília, quando foram pagos R$ 1,4 milhões para a empresa prestar serviços em cerimoniais.

Em terceiro lugar, ficou o Fundo Nacional de Cultura, que aplicou R$ 6 milhões no ano passado com esse gênero. Entretanto, não foram localizados os contratos realizados entre o Fundo e as empresas de prestação de serviços.

O Contas Abertas entrou em contato com a assessoria do MRE e do Ministério da Cultura, que responderia pela Funarte e pelo Fundo Nacional da Cultura, para saber os motivos que fizeram os órgãos liderarem em gastos na rubrica “festividades e homenagens”. Entretanto, até o fechamento desta reportagem, elas apenas retornaram pedindo mais informações sobre a qualidade dos gastos, sem terem feito qualquer tipo de esclarecimento.

Uma curiosidade da lista de gastos com festividades e homenagens é que entre os 20 primeiros orgãos que fizeram uso de verba pública com este fim, seis são de unidades orçamentárias do Ministério da Defesa. As repartições militares, se somadas as despesas do Comando da Marinha, Fundo e Comando do Exército, Fundo e Comando da Aeronáutica e Justiça Militar da União, despenderam R$ 7,1 milhões com festas e homenagens.







Fonte: Contas Abertas

E o Oscar de efeitos especiais vai para....o PT - por Guilherme Fiuza



Abraham Lincoln e Luiz Inácio da Silva não são a mesma pessoa, mas quase. Na festa de 30 anos da CUT, o filho do Brasil e pai da maior máquina de perpetuação no poder já vista neste país voltou a se queixar em grande estilo, como é próprio das vítimas profissionais. Declarou que ele e o companheiro Lincoln são uns injustiçados: “Fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln em 1860. Igualzinho bate em mim”.


As semelhanças não param por aí: Lincoln não ganhou o Oscar, Lula também não. Mais uma armadilha do sistema capitalista contra os heróis do povo. Como um sujeito que sai limpinho do mensalão, convencendo mais de 100 milhões de pessoas de que não sabia de nada, pode não ser premiado com o Oscar? É muita injustiça social mesmo. Só pode ser preconceito das elites contra o ex-operário.

Lincoln e Lula, os irmãos siameses da resistência contra a imprensa burguesa, passarão juntos à história da CUT apesar do boicote de Hollywood. Mas que os americanos não se animem muito com essa dobradinha.

Mesmo com as incríveis semelhanças entre os dois estadistas, Lula é melhor.

Lincoln jamais seria capaz de eleger uma Dilma e, depois de um governo inoperante, preguiçoso, fisiológico, perdulário, destruidor das instituições com tarifas mentirosas e contabilidade idem, se encaminhasse para reelegê-la. Com todo o respeito à mitologia ianque e ao talento de Steven Spielberg, uma façanha dessas não cabe na biografia de Lincoln. Como transformar uma militante inexpressiva em símbolo feminino nacional, sem que ela manifeste um único pensamento original em anos de vida pública? Lincoln teria de nascer de novo duas vezes para aprender essa com Lula.

Enquanto o líder máximo de todos os tempos das Américas demonizava a imprensa, ensinando a classe operária a suspeitar da informação livre, odiar o contraditório e só confiar no que seu guru diz, notava-se ao lado os sorrisos divertidos de Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete vitalício do Brasil. Carvalho é uma espécie de entroncamento entre Lula e Dilma, um avalista da continuação do final feliz petista no berço esplêndido do Estado brasileiro. Como se sabe, para que esse final feliz dure bastante, é necessário que o conto de fadas do oprimido prevaleça sobre a vida real - daí a implicância sistemática com a imprensa.

Ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho está sempre nos fóruns partidários prometendo à militância que o governo criará uma imprensa nova, confiável. Parece piada chavista, mas é verdade. Por acaso, foi um subalterno de Carvalho que voltou de Cuba com um dossiê contra a blogueira Yoani Sánchez, caprichosamente gravado num CD. É o velho estilo petista de conspirar com o rabo de fora.

Na chegada da blogueira cubana ao Brasil, surgiram subitamente patrulhas organizadas de apoio ao regime de Fidel Castro, um movimento que ninguém imaginava que existia, que nunca mostrara sua cara em lugar nenhum. De repente, num Brasil supostamente democrático e tolerante às diferenças ideológicas, esses grupos surgidos do nada simplesmente impediram os debates públicos com Yoani - no grito, na marra. Quem será que instrumentalizou essa turminha braba?

A inacreditável operação abafa contra uma blogueira, nesse espetáculo deprimente de censura que o Brasil engoliu, veio mostrar que o chavismo só não prosperou no Brasil porque o oxigênio da liberdade por aqui ainda é maior do que na Venezuela. Mas o estado-maior petista não desistiu de sua doutrina da democracia dirigida e baba de inveja dos índices fabricados pela companheira Cristina Kirchner, em sua cruzada bolivariana pela informação de laboratório. Assim como Lincoln e Lula, Cristina também é uma vítima da imprensa reacionária, que tem essa mania mórbida de querer divulgar indicadores públicos verdadeiros.

O lucro do BNDES acaba de ser maquiado, graças a mais uma manobra genial dos companheiros que produzem superavit de proveta e passam blush na inflação. Quando se trata de picaretagem para se agarrar ao poder, é impressionante como a mediocridade do governo popular se transmuta em brilhantismo. Como disse Lula na CUT: “Nós sabemos o time que temos”.

É mesmo um timaço. Merece no mínimo o Oscar de efeitos especiais.
domingo, 3 de março de 2013 | By: Vânia Santana

Controle da mídia para petista ver - por Mary Zaidan



Na sexta-feira, o Diretório Nacional do PT, reunido em Fortaleza, aprovou mais uma resolução em que decreta: “a democratização da mídia é urgente e inadiável”.

Nada de novo.

Há anos o partido reincide no tema. A diferença desta vez é o tom: cobram de seu próprio governo que reconsidere a atitude de engavetar o novo marco regulatório das comunicações, em especial a mudança nas regras de concessões de rádio e TV.

Pelo jeito ranheta da redação, até parece, de verdade, um ultimato à presidente Dilma Rousseff. Pura encenação. Coisa para manter a aura esquerdóide, o usado e ultrapassado jargão “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.

Um bom teste é averiguar se o senador José Sarney (PMDB-AP), dono das sesmarias do Maranhão e, claro, rei da mídia local, perdeu um segundo de sono com o tema.

É didático ainda repetir o exercício com o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). Seu filho tem, declaradamente, uma emissora de rádio, e ele, como se apurou em 2007, outras. Algumas delas em nome de laranjas.

Uma soma por baixo dá conta de que pelo menos 80 parlamentares são donos de rádios e TVs. Algo que deveria ser apurado mais a fundo, até porque é inconstitucional. Para puni-los não seria preciso nova regulamentação, apenas cumprir a que existe.

Ou seja: nem de longe o PT quer mexer nesse vespeiro. Brigar com Sarney? Renan? Com metade da base aliada? Nem pensar.

Jogam para a plateia. E fazem isso com incomparável competência.

Time azeitado, na semana que terminou com a tal resolução, o presidente do PT Rui Falcão voltou a vociferar contra a mídia, e o líder maior Lula se superou nos cotovelos falantes ao se comparar com Abraham Lincoln, que, segundo o ex, “também” teria sido perseguido pela imprensa.

É vero que o PT, Lula & companhia adorariam controlar a mídia. Tentam isso há anos. Governantes, em geral, alguns particularmente, prefeririam não ter os incômodos que o jornalismo não oficial lhes causa.

Modelos de domínio absoluto como os da China e de Cuba então, são invejados por vários. Mas por aqui já se contentariam com as invenciones de Hugo Chávez e Cristina Kirchner.

O desejo é real. Mas, impossibilitados pela realidade, a ação é de mentirinha. Serve de alimento para uma rede fiel que lhes diz amém.

No mais, beira o cômico ver o PT repetir a balela com apoio de mídias dominadas pelos irmãos Gomes, do PSB do Ceará. Na mesma terra do irmão do mensaleiro José Genoíno (PT-SP), deputado José Magalhães, aquele do assessor flagrado com dólares na cueca, hoje líder do PT na Câmara.

Parafraseando o também mensaleiro Delúbio Soares, é mesmo piada de salão.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013 | By: Vânia Santana

Governo Federal gastou R$ 391 milhões com publicidade em 2012





A União desembolsou R$ 391,5 milhões em publicidade institucional e de utilidade pública em 2012, ano de eleições municipais. O valor superou em 11,3% o gasto em 2011, R$ 351,4 milhões.
Em publicidade institucional, que tem como meta a divulgação de informações sobre atos, obras e programas de Órgãos e entidades governamentais, foram gastos R$ 159,4 milhões. Desse valor, 63% foram utilizados apenas pela Presidência da República. A unidade pagou R$ 100,3 milhões dos R$ 154 milhões que haviam sido empenhados (reservados em orçamento para pagamento posterior).  Entre as principais campanhas do órgão em 2012, está a divulgação da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que ocorreu no Rio de Janeiro, em junho do ano passado.
Atrás da Presidência, a Pasta que mais gastou com publicidade institucional foi o Ministério do Turismo, cujos dispêndios chegaram a R$ 12,8 milhões. Em seguida, está o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que pagou R$ 10 milhões neste tipo de propaganda.
Já em publicidade de utilidade pública foram desembolsados pela União R$ 231,2 milhões. Esse tipo de propaganda tem por objetivo informar, orientar, avisar, prevenir ou alertar a população para adotar certos tipos de comportamento que visem melhorar a qualidade de vida.
O Fundo Nacional de Saúde (FNS) foi quem mais desembolsou com publicidade de utilidade pública. Foram pagos R$ 139,7 milhões pela Pasta. O fundo é o gestor financeiro dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como missão contribuir para o fortalecimento da cidadania, a partir da melhoria do financiamento das ações de saúde.
Logo após o FNS, quem mais desembolsou recursos em publicidade de utilidade pública foi o Ministério do Esporte, que gastou R$ 26,3 milhões em 2012, seguido pelo Ministério da Educação, que desembolsou R$ 16,4 milhões.
Veja tabela aqui.
Para a realização dos cálculos desta reportagem, foram utilizados os gastos com a publicidade de utilidade pública e insitucional. Entretanto, as despesas gerais com publicidade abarcam mais dois tipos: publicidade legal, para prescrição de leis, decretos, portarias, instruções, entre outros; e publicidade mercadológica, para divulgar informações sobre atos, obras e programas.
Publicidade e eleição
Os gastos com publicidade da União costumam aumentar em ano de eleição, mesmo quando o pleito é de âmbito municipal. No ano passado, foram investidos R$ 40 milhões a mais em publicidade de utilidade pública e institucional pelo governo federal, um aumento de 11,3% se comparado ao total desembolsado para o mesmo fim em 2011.
Se considerados os gastos em  2010, ano de eleições federais e estaduais, também nota-se aumento. No ano de pleito, a União invetiu R$ 42 milhões a mais do que em 2009, quando foram desembolsados R$ 389 milhões.  Percentualmente, o valor subiu 10,8%.
Para o professor doutor em sociologia e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp, Valeriano Mendes Ferreira Costa, esses investimentos são normais, fazem parte da comunicação governamental e do ciclo eleitoral.
“O ciclo eleitoral coincide com o ciclo governamental. Ao fim do governo, concluem-se obras, investimentos, e é importante ter essa comunicação. O governo é o único que faz propagandas sobre o que está sendo feito ou foi realizado”, explica ele.
Entretanto, segundo Costa, só a publicidade não é garantia de sucesso na hora de se eleger. Para ele, ela causa grande efeito na opinião pública, mas deve estar fundamentada na realidade.
“Se você tem um governo muito ruim e achar que a publicidade vai encobrir, resolver, isso é ilusão. O contrário também. Se o governo for bom, mas ninguém ficar sabendo, não adianta. A publicidade aproveita o máximo possível que o governo tem de bom, mas não faz milagre”.
Publicidade e Opinião Pública
A presidente Dilma fechou o seu segundo ano de mandato com 62% de aprovação, segundo o insituto de pesquisa Datafolha. O percentual representa o melhor desempenho presidencial do período desde Fernando Collor. Apenas 6% da população julga seu governo ruim.
Para Valeriano Costa, as propagandas governamentais podem influenciar na aprovação de um governo. Porém, de acordo com o pesquisador, hoje em dia, a população criou certa independência tanto dos meios de comunicação de massa, como da comunicação governamental para se posicionar.
“Existe uma tensão constante entre os meios de comunicação de massa e o governo. Então, a população precisa construir instrumentos intermediários, e, por meio deles, conseguir tirar fundamentos para análise e crítica. O que vem sendo feito, de certo modo, com as mídias sociais.”
Embora Valeriano considere a publicidade de utilidade pública necessária para a população saber como usar os serviços públicos, e a publicidade institucional essencial para o governo poder mostrar o que foi feito, o deputado do PSDB, Walter Feldman, está, em partes, em desacordo.
Está tramitando na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 211/12, de sua autoria, que proíbe a publicidade institucional por órgãos públicos, com exceção da publicidade de utilidade pública.  De acordo com o deputado, a publicidade institucional é controversa na forma como é utilizada, seja por conta do orçamento que lhe é destinado pelos governos, seja pela sua propagação.

Fonte: Contas Abertas
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013 | By: Vânia Santana

A Miséria mora ao lado



Na semana em que a presidente Dilma anunciou o fim da pobreza extrema no país, famílias que ganham Bolsa-Família catavam comida no lixo da Esplanada - o que nos leva à pergunta: o que é ser miserável no Brasil?



A presidente Dilma Rousseff discursa em evento que amplia o Bolsa Família e a família de Maria Madalena (Foto: Roberto Stuckert Filho e Celso Junior/ÉPOCA)



Às 11h da manhã de terça-feira, o sol abrasador do verão brasiliense invadia, com raios e calor, as frestas do barraco de papelão da catadora de papel Maria Madalena. Ela preparava a refeição das cinco filhas e do marido. O almoço seria farto na favelinha conhecida como invasão da garagem do Senado: havia uma panela com arroz branco, outra com feijão e uma terceira com carne moída. Lá, cerca de 50 almas vivem distribuídas em oito barracos de madeira e papelão, montados sobre um pequeno chão de terra - menor, por exemplo, do que o plenário do Senado. Quase todos pertencem à mesma família, que emigrou de Tabira, em Pernambuco, para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, há 25 anos. Maria Madalena, uma mulher de 28 anos e poucos dentes, e Rodrigo, seu marido, calculam ganhar R$ 300 reais por mês com a venda de lixo reciclável, além de receber R$ 394 do programa Bolsa Família. Rosa, irmã de Maria Madalena, que também mora na invasão, não recebe Bolsa Família e tira R$ 130 reais com a venda de lixo. Para o governo, Rosa, Maria Madalena e Rodrigo não são miseráveis. Miserável, ou “extremamente pobre”, pelos critérios dos burocratas de Brasília, é quem sobrevive com menos de R$ 70 por mês. Naquela manhã de terça, a menos de um quilômetro dali, a presidente Dilma Rousseff anunciava, numa cerimônia no Palácio do Planalto, que o governo aumentaria os gastos com o Bolsa Família, de modo que todos inscritos no programa venham a receber ao menos R$ 70 reais a partir de março. “Com o ato que assino hoje, o Brasil vira uma página decisiva na nossa longa história de exclusão social. Nessa página, está escrito que mais 2 milhões e 500 mil brasileiros e brasileiras estão deixando a extrema pobreza”, disse Dilma. Enquanto ministros, governadores e parlamentares aplaudiam Dilma, as meninas de Maria Madalena - as pequenas Giuli, de oito meses, Pamela, de 3 anos, Giovana, de seis anos, Kevelyn, de 9 anos, e Juliana, de 11 anos - preparavam-se para comer o pratinho do dia. Não era comida de supermercado. Era comida achada num lixo da Esplanada, no dia anterior. “A ideia inicial por trás deste ato hoje é esta: por não termos abandonado o nosso povo, a miséria está nos abandonando”, disse Dilma. Mais aplausos.

É do lixo que os não-miseráveis, ou pobres - ou seja lá como o governo queira qualificar agora as famílias como a da invasão - sobrevivem. Do lixo eles tiram o sustento - e do lixo, amiúde, tiram também as calorias. Homens e mulheres catam papel nas lixeiras dos ministérios da Esplanada. Cada um tem seu carrinho para fazer o serviço, feito de madeira e pneus velhos. Não há cavalos para empurrar o carrinho: é um trabalho braçal. Começa às seis da manhã e não tem hora para terminar. A cada quinze dias, eles vendem o lixo a uma empresa de reciclagem. Ganham R$ 0,26 por cada quilo de papel branco e R$ 0,10 por cada quilo de papel de jornal ou papelão. O quilo do plástico paga melhor: R$ 0,30 o quilo. Dependendo do mês, pode render R$ 150. Para os catadores, é um bom dinheirinho. Nada que se compare, vá lá, aos gastos de publicidade do governo com o ato que anunciou o fim da miséria. Somente no evento de terça no Planalto, o governo gastou R$ 275 mil, na criação de banners, folders e na decoração do palco - a conta desconsidera os gastos com publicidade. À guisa de ilustração, esse gasto bancaria um mês de Bolsa Família para 1.900 ex-miseráveis. Rosa, por exemplo, teria que trabalhar 176 anos para ganhar algo parecido. Isso nos meses de maior movimento em Brasília. Em janeiro e fevereiro, quando os parlamentares pouco ou nada trabalham, a produção de lixo cai muito - e, com ela, o sustento das famílias. “Se eles (parlamentares) não trabalham, não tem trabalho para nós”, diz Maria Madalena.

O que é ser miserável no Brasil? O governo tem razão em definir a miséria, como fazem muitos países, por um critério meramente econômico? E, ademais, R$ 70 são suficientes como piso para sobreviver? São perguntas difíceis, cujas respostas dizem muito sobre o país que queremos ser. Por um lado, é inegável que as famílias que vivem do lixo da Esplanada são gratas ao dinheiro que recebem do Bolsa Família. Mas isso não resolve a questão - a não ser que se considere aceitável alguém viver de comida achada no lixo. “A escolha da linha da extrema pobreza é política e não técnica. Decidir o nível da linha é decidir o esforço que vai se fazer para combater a miséria”, diz Marcelo Medeiros, um sociólogo da Universidade de Brasília que estuda o tema. No caso da linha adotada pelo governo brasileiro, dos R$ 70, Medeiros acrescenta: “Essa linha facilita a solução do problema, porque engloba menos gente do que se fossem R$ 150, por exemplo. Atende realmente quem tem prioridade absoluta, quem está numa condição tão extrema que pode realmente morrer de fome. Mas deixa de fora outros aspectos do que é realmente ser miserável.”

Não há régua consensual de medida da pobreza. Os árabes foram os primeiros a definir, em 1290, na enciclopédia Lisan al-Arab, que ser miserável era “não vestir roupas honradas”. Era uma forma de relacionar miséria à dignidade, não só à subsistência, como fariam os europeus tempos depois. Na tentativa de combater a pobreza em Londres, em 1870, Charles Booth decidiu mapear os pobres, criar estatísticas do que as pessoas comiam – em detrimento da dimensão humana da miséria. “Não é que ele só estivesse preocupado com a subsistência, mas é o que ele conseguia medir. É difícil medir dignidade”, diz Medeiros. Essa dificuldade, tanto conceitual quanto prática, não significa que o estado possa abandonar a busca pela dignidade dos homens. Pouco antes de Booth dedicar-se ao mapa da pobreza, a dignidade como direito inalienável de qualquer homem já havia se consagrado como um dos maiores avanços da civilização ocidental. Hoje pode parecer uma platitude, mas a ideia de que as pessoas têm o direito à vida, e portanto à dignidade, apenas por serem pessoas é uma conquista recente, que se consolidou com o Iluminismo. Um dos pensadores que melhor estabeleceram esse direito foi o alemão Immanuel Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Para Kant, a dignidade era “algo absoluto”, e a defesa dela um imperativo moral de todos os homens: “O sentido de valor absoluto representa o que está acima de todo preço, e, por conseguinte, o que não admite equivalente, isto é, o que tem uma dignidade”.


Pastel de lixo

Rosa dos Santos, a irmã de Maria Madalena, que também mora na invasão da garagem do Senado, não conhece a dignidade de Kant. Na tarde ensolarada de quinta-feira, ela buscava o que comer no lixo da Marinha. Não demorou a encontrar sobras de pastel de carne de queijo num dos sacos pretos de lixo. Comeu com gosto, sem hesitar. E ainda deu uns pedaços à sobrinha Kevelyn. Não parou por aí. Continuou chafurdando. Achou um punhado de carne de porco. Comeu um pedaço, e dividiu os restos com a cadela Raimunda. O ritual da cata naquela lixeira é diário. São nove contêineres de lixo atrás do anexo da Marinha, no Ministério da Defesa. “A Marinha é pai e mãe de gente”, diz Rosa, enquanto traça os pastéis do lixo. “Aqui é o lixo mais rico.” Alguns funcionários do restaurante da Marinha separam o arroz, o feijão e a carne em sacos diferentes, sabendo que alguém sempre vem buscar. O cunhado de Rosa, Neto, também catador de papel, já tinha estava ali antes, recolhendo a “lavagem”, como eles chamam os restos de comida misturada. Neto vende o que encontra na “lavagem” para um conhecido que cria porcos.

Foto: Celso Junior - Época

Rosa tem 36 anos e nunca estudou. Vive ali com três de seus quatro filhos – Leandro, de 17, Leonardo, de 12, e Daniel, de 11. Daiane, de 16, já se juntou com um rapaz e mudou. O marido de Rosa, José, preso há dois anos por roubo, está no regime semiaberto. Visita nos finais de semana. Os R$ 130 que Rosa ganha catando lixo são gastos com comida e remédios. Ela tem asma, e não é sempre que consegue o remédio gratuitamente. A bombinha custa R$ 40. Toma banho com pedra de sabão de soda, que compra da mãe, e com a água que busca diariamente nas torneiras dos ministérios. Enche oito galões e os empurra por meia hora num carrinho de supermercado. O banheiro são duas cabaninhas com uma caixa no meio. Ou no mato. Rosa não tem muitas esperanças de uma vida melhor: “Eu não tenho estudo, mas se tivesse ajuda para morar direito, talvez conseguisse... Do jeito que é hoje, não tenho coragem. É um desespero. Minha única alegria na vida é ver meus filhos estudando”. Rosa acha que o primeiro passo para sair da condição de miserável seria morar dignamente. Sair do lixão e do barraco de um cômodo só, em que cozinha com lenha e assiste à TV com energia roubada por meio de uma gambiarra.

Maria Madalena já tentou. Mudou-se com o companheiro e as cinco filhas para Valparaíso, na periferia de Brasília, onde alugou uma casa de dois cômodos, pela qual pagava R$ 250 de aluguel e R$ 120 de luz. Vendia marmitex no zoológico. “Com o que eu gastava de aluguel, luz e transporte, não estava dando pra pagar comida”, diz Maria. Num dia de miséria visível, colheu o capim-santo que dava no mato atrás da casa, fez um chá e refogou farinha branca com cebola para alimentar as filhas. Voltou para a invasão em outubro do ano passado. Voltou para os domínios de Dona Francisca, a matriarca da família e espécie de prefeita da invasão. Dona Francisca é uma senhora que aparenta ter 70 anos. Fala alto, bebe muito e admite não gostar das filhas. Prefere os homens. Foi ela quem trouxe a família para Brasília. Vieram todos os nove filhos, fugindo da seca e da fome. Hoje, come carne do lixo e vende sabão de soda a R$ 2 a pedra e fumo a R$ 4 para os próprios filhos – nada ali é dado, tudo é negociado, mesmo entre parentes. E quando um dos moradores recebe mais ajuda de quem passa ali para doar mantimentos e roupas ou do governo, a ciumeira se instala e irmãos se estapeiam. A escassez é também de atenção.

O governo Dilma, apesar de ter bordejado com o triunfalismo político na cerimônia de terça-feira, reconhece os limites dos critérios econômicos para a definição de miséria. Reconhece também que ainda há muito a se fazer. “A linha dos R$ 70 envolve uma discussão mais complexa, de qual o grau de solidariedade da população brasileira, qual o nível de desenvolvimento que se espera. Esse é um debate que fica daqui para frente”, diz Tiago Falcão, secretário do Ministério do Desenvolvimento Social, que cuida de programas como Bolsa Família. Enquanto esse debate não vem, as famílias da invasão do Senado são gratas à solidariedade que vasculham no lixão da Marinha.


por Flávia Tavares - Revista Época