quinta-feira, 29 de maio de 2014 | By: Vânia Santana

O bom senso está morto

Senhoras e senhores,

O bom senso está morto, é oficial.

Será enterrado em caixão lacrado e sem solenidades. No máximo teremos seu primo senso comum carregando o caixão com um sorrisinho amarelo, e TALVEZ Sócrates ou René Descartes falando algumas palavras singelas sobre o falecido no baixar do caixão, mas provavelmente eles vão recusar o convite, pois têm receio de serem interrompidos por alguém que leu alguma citação falsa ao lado da foto deles no instagram... Causa mortis do bom senso? Uma doença, um mal.

Grande parte das pessoas hoje são portadoras desse mal, uma moléstia grave. Não foi AIDS, EBOLA, H1N1... mas algo muito mais fácil de se pegar e virar um portador. Esse mal é conhecido como VERDADE ABSOLUTA. Quem o pega vira um pobre PORTADOR DA VERDADE ABSOLUTA.

Os portadores da verdade absoluta são pobres diabos que não se enxergam, pois essa moléstia afeta principalmente a capacidade de raciocínio. Uma vez portador da verdade absoluta, a pessoa esquece que a verdade é completamente dependente de TEMPO e ESPAÇO, e pior ainda, ficam alheios ao fato que a verdade não é ABSOLUTA!

Esses coitados esquecem que ao longo dos 150 mil anos de humanidade nós já tivemos tantas verdades finais, absolutas, imutáveis, certas e indiscutíveis que chega a ser engraçado alguém ainda acreditar nisso... Mas não fala nada não, é doença tadinhos!

Acredito que a doença deve afetar os olhos também, pois essas pessoas passam a ver o mundo em preto-e-branco, sem qualquer grau de cinza entre eles. Isto é: ou algo é RUIM ou BOM, CERTO ou ERRADO, SIM ou NÃO. Não há espaço para contextualização - pouco importa se temporal, cultural, pessoal, geográfica, política ou histórica. São como macacos pelados megalomaníacos que acham absurdo alguém andar em duas pernas e fritar bananas para comer, porque esse não é o jeito certo de se fazer as coisas!

Outra característica marcante dos doentes portadores da verdade absoluta é a credulidade obstinada. Nunca checam fontes, ou se informam mais sobre assuntos que não têm intimidade antes de proferir sua sabedoria... Caem como patos na primeira notícia ou post de facebook que chega até eles, e a defendem com uma certeza e obstinação de quem conhece profundamente, viu, viveu e tem experiência naquele assunto, seja ele qual for. São capazes às vezes de defender teses que uma simples observação atenta (um exercício básico de lógica, um documento a disposição de todos, um mapa escolar, ou mesmo uma busca rápida no google) mostra como aquilo é algo impossível com facilidade.

Expressões frequentes dos acometidos por esse mal: Isso sempre é certo (ou errado); essa religião é errada; esse costume é inaceitável; as pessoas são preconceituosas; as minorias devem ser sempre defendidas; protestar sempre é certo; todo mundo sabe disso; sabedoria popular não falha; mas eu vi na internet; é culpa das grandes potências mundiais; aquela religião é de fanáticos; todo político é ladrão; ele não é ruim, é uma vítima da sociedade; vitamina C cura a gripe; isso não faz mal porque é natural; e principalmente : estou certo, porque não tem outra explicação (essa última, a máxima demonstração da pessoa acreditar em sua onisciência).

A morte do bom senso só deixa uma lição: Jamais subestime ignorantes quando reunidos em grandes bandos.

por Amira Laila

1 Deixe seu comentário:

vendedor de ilusão disse...

Vim visitar o blog por tê-lo conhecido através do perfil da Vânia Santana no Twitter e, de antemão, afirmo que gostei! Principalmente por ler um texto condizente com a realidade; é lamentável, porém é o que ocorre: o bom senso está morto! E por achar absolutamente cabível, deixo registrado meus parabéns a autora pela brilhante crônica.
Abraço e veja se lhe sobra um tempinho para visitar meu blog.
Até mais!

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