domingo, 15 de setembro de 2013 | By: Vânia Santana

O Processo pelo avesso

Depois de sessenta sessões, sete anos de pastoreio e 50 mil páginas processuais, a decisão mais importante do mensalão cai no colo do ministro Celso de Mello. A ele caberá o voto de desempate sobre os embargos infringentes, na próxima quarta-feira. É muita pressão sobre um homem só. Cruel sina para o juiz, o único que é obrigado a decidir, mesmo sob pressão: é sim ou não. A alternativa “em cima do muro” é inadmissível para um magistrado. De um lado, parcela expressiva da opinião pública, incluindo-se os principais veículos de comunicação do País, clama pela condenação exemplar de personalidades políticas apontadas nas investigações como responsáveis pela compra de apoio parlamentar pelo governo. De outro, militantes e simpatizantes do partido que está no poder, torcem pelo abrandamento das penas e pelo adiamento do resultado final. O “novato” ministro Barroso lembrou ser função precípua de um julgador decidir de acordo com a sua consciência e o seu convencimento - e não pelo que exige a opinião pública. Na tréplica, Marco Aurélio disse que é preciso sim, ouvir o clamor de quem paga os impostos. Continua válida a sentença comum nos tribunais da Roma Antiga: “O juiz é condenado onde o culpado é absolvido”.

A convicção de Celso de Mello já está formada, conforme ele mesmo disse. No ano passado, ele já havia se pronunciado em favor dos embargos infringentes (“infringir” é desrespeitar, no caso o regulamento do STF). Implica em rejulgamento, com chance de revisão de condenações e a suspensão de penas a serem cumpridas em regime fechado. Pode cair o aumento da pena por formação de quadrilha, por exemplo. Com a pena diminuída é mais rápida a prescrição - a perda do direito do Estado de pretender punir alguém, ultrapassados os prazos processuais. Temos em nosso País algumas jabuticabas, como a “prescrição da pena em concreto”. Se o réu tem mais de 70 anos é quase certo que, mesmo que tenha roubado, não vá para a cadeia. O prazo prescricional é ainda mais curto para os idosos. Nos Estados Unidos, o bilionário Bernard Madoff foi preso em 2009 por fraude que resultou prejuízos a investidores avaliados em US$ 65 bilhões. Em apenas oito meses, Madoff foi denunciado, julgado, condenado e preso. A pena é de 150 anos de cadeia. Mesmo com sua provecta idade está atrás das grades, veste uniforme, come “quentinha” e tem que trabalhar na lavanderia. Em Brasília, o governo do DF foi flagrado fazendo reformas no Centro de Progressão Penitenciária para abrigar presos ilustres. Gastos de R$ 3,3 milhões para dar todo conforto aos condenados do mensalão (inclusive), com celas individuais, banheiro privativo, água quente e pontos de tevê, Internet e ar condicionado.

A grande lição deste triste episódio é a da necessidade de se tornar o processo penal brasileiro eficiente. Isto é possível de se fazer sem violar as garantias constitucionais de direito ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal. No mensalão, depois dos embargos infringentes virão os embargos declaratórios sobre “pontos obscuros” e, depois, os embargos dos embargos. Quando vai terminar o processo, ninguém sabe. Fala-se numa agenda a ser cumprida pelo STF, formulada pelo próprio colegiado. Seria ótimo evitar a extinção da punibilidade, pelo menos. O ceticismo do brasileiro com a Justiça é conhecido. Considerada leniente com os ricos e poderosos. Aqueles que acham que cadeia foi feita para pobres, negros e prostitutas terão mais um forte argumento. Estas discussões vão se arrastar pelo ano eleitoral de 2014, o que pode ser desgastante para a candidatura à reeleição de Dilma Rousseff.

Se a eficácia e a eficiência do processo penal brasileiro permanecerem esquecidas, as instituições brasileiras estarão realizando um processo de justiça meramente literário. Durante uma das últimas sessões do STF, a advogada lia na galeria o livro “O processo”, de Franz Kafka. Por certo foi mais proveitosa a leitura do que assistir à tediosa abertura de asas e caudas dos pavões. Kafka narrou a história de um condenado que não sabia dos motivos da sua punição. O Brasil está próximo do avesso da literatura kafkiana - admite-se a culpa dos réus, mas não é possível condená-los.

por Zarcillo Barbosa

Jornal da Cidade

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